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:: ‘Geral’

Brasil ultrapassa Espanha e se torna o quinto país do mundo com mais mortes pelo coronavírus

Pelo quarto dia consecutivo, país soma mais de 1.000 óbitos em 24 horas, um quarto de todos as vítimas do globo no período. Cerca de 14.000 mortes suspeitas jamais serão checadas

O Brasil encerra maio colecionando novas tristes marcas na pandemia do novo coronavírus. Nesta sexta-feira, pelo quarto dia seguido, o país confirmou mais mil novas mortes por covid-19, fazendo o total de óbitos saltar a 27.878. O número fez o país ultrapassar a Espanha e se tornar o quinto no mundo onde a doença foi mais mortífera até agora. Por onde se olhe os índices são preocupantes: nesta sexta, o país somou 26.928 novas infecções confirmadas, um recorde desde o início da crise —e uma cifra certamente subestimada pela falta de testes em massa. O desfalcado Ministério da Saúde, que funciona com substitutos e interinos em postos-chave desde a segunda troca de comando feita pelo presidente Jair Bolsonaro, no começo do mês, reconheceu que a curva da pandemia “permanece numa linear de ascendência”. Enquanto isso, Estados e cidades anunciam planos de reabertura econômica.

Nesta sexta, a Saúde fez um balanço do número de testes feitos no país: apenas 930.013 exames, somando laboratórios privados e públicos, ou cerca 4.428 testes por milhão de habitantes. A taxa de testes por população é mais de dez vezes menor do que a dos EUA ou do Reino Unido, países que lideram o ranking de vítimas no mundo.

Os números apresentados pela pasta brasileira deixam também evidente que a testagem no Brasil sequer consegue alcançar os pacientes graves suspeitos de terem contraído a doença. Pelos registros, desde o início da pandemia, 41.621 pessoas morreram apresentando um quadro de síndrome respiratória aguda grave (SRAG), uma condição frequente provocada pelo novo coronavírus. O ministério já sabe que 22.543 dessas mortes foram, de fato, provocadas pela covid-19 e ainda investiga 4.245 óbitos. Outras 14.373 mortes, no entanto, jamais terão suas causas especificadas, ainda que tudo aponte que foram provocadas pela pandemia —2020 já superou de longe o total de mortes de SRAGs dos anos anteriores.

Segundo o ministério, o motivo de esses quase 15.000 óbitos ficarem num limbo é a falha na testagem: ou a amostra não foi colhida ou, se foi, o processo não foi feito corretamente, impedindo a análise. Se devidamente testadas e somadas, as mortes colocariam o Brasil em quarto ou até terceiro lugar entre os países com mais vítimas da pandemia.

A precariedade dos números é apenas uma das facetas da crise que golpeia o país de maneira muito desigual. Na cidade de São Paulo, a mais populosa do país e que prepara um plano de reabertura econômica ainda cercado de dúvidas, as mortes ainda não começaram a cair e se concentram nas franjas pobres do território. No mapa brasileiro, a situação tampouco é homogênea. Embora quase 70% dos municípios brasileiros já lidem com a doença, as situações mais agudas se concentram nos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro, no Sudeste, que seguem liderando as mortes, e em mais 8 Estados do Norte e Nordeste do país. As regiões Sul e Centro-Oeste enfrentam, por enquanto, um nível menor de contaminação.

Espanha aprova renda mínima vital para 850.000 famílias

Complemento salarial custará 3 bilhões de euros por ano e poderá chegar a 1.015 euros por família

Voluntária trabalha no Teatro del Barrio, que transformou suas instalações em Madri em um armazém de banco de alimentos para distribuição de cestas básicas a famílias carentes, em 24 de abril de 2020.

O Estado de bem-estar dá um passo adiante nesta sexta-feira na Espanha. O Governo aprovou em reunião ministerial uma ajuda de último recurso para quem não chegar a níveis mínimos de renda. Isso não significa que a Espanha não tivesse auxílios deste tipo ― existem 17 tipos, o mesmo número de governos regionais autônomos, mas com implantação muito desigual e valores muito díspares. Ao todo, as administrações regionais pagam atualmente cerca de 300.000 salários sociais. Os números postos sobre a mesa pelo Ministério da Previdência Social quase triplicam esta cifra. Calcula-se que haverá 850.000 famílias com direito à nova renda mínima e que ela custará 3 bilhões de euros (18 bilhões de reais) por ano. Mas a partir de agora, ambas as ajudas serão compatíveis, segundo o Ministro da Previdência, José Luis Escrivá.

O que o Conselho de Ministros aprovou nesta sexta é um auxílio que complementa a renda de famílias vulneráveis. Em um dos últimos rascunhos elaborados pela Previdência espanhola, define-se como lar vulnerável aquele cuja renda mensal seja de no máximo 10 euros a menos que a renda mínima que o Estado completará. Assim, uma família que cumprindo os requisitos tenha direito a uma renda mínima de 1.015 euros receberá o benefício se a sua renda familiar não superar 1.005 euros.

A medida abre a porta para a renda mínima vital. Nas semanas anteriores, a Previdência preparou um projeto com a contribuição de outros ministérios, comunidades autônomas, agentes sociais e inclusive associações que trabalham com potenciais beneficiários. Esses textos não são definitivos, por isso os detalhes podem mudar até que o decreto-lei seja publicado no diário oficial, mas estes são alguns dos detalhes já conhecidos sobre a medida:

Quem tem direito a receber? Teoricamente, a renda mínima socorrerá famílias ― haverá um titular do direito, mas o dinheiro se destina à “unidade de convivência”, como se chama oficialmente. Para que o lar possa receber o auxílio, deverá estar em situação de vulnerabilidade. E será considerada vulnerável a família que receber no máximo 10 euros a menos do que lhe caberia. A partir disso são estabelecidos outros requisitos, como o titular da ajuda ser maior de idade e ter filhos e/ou familiares como dependentes. Se o lar for composto por um só indivíduo, este deverá ser uma pessoa idosa. O último projeto conhecido estabelecia uma idade mínima de 23 anos para receber o benefício, em outros se falava de 21 anos. Se a beneficiária tiver sido vítima de maus tratos ou de tráfico, essa exigência não será levada em conta.

Fonte: El País.

Um policial pode prender você sem provas. E a Justiça vai acreditar nele

Para o Judiciário, policiais têm ‘fé pública’: tudo o que dizem é verdade. Em 70% das condenações por tráfico de drogas, a única prova usada é a palavra do policial

O músico e estudante de fotografia Johnny Jamaica é usuário de maconha assumido e orgulhoso: para ele, o consumo da erva é uma atitude política e estética, parte da sua visão de mundo. Era comum carregar porções da substância para uso próprio. Em 17 de fevereiro de 2016, uma abordagem transformou o jovem negro, então com 24 anos, em um traficante. Ao ser pego com 15 gramas da droga, ele afirma que policiais militares de São Paulo “plantaram” com ele mais 100 gramas e uma balança. Foi o suficiente para a Polícia Civil aceitar a ocorrência, o Ministério Público transformá-la em denúncia e a Justiça o considerar culpado por tráfico de drogas. As únicas provas: o testemunho dos PMs e a porção de maconha.

O caso vivido pelo músico exemplifica a lógica recorrente em condenações por tráfico. Na Justiça, as versões contadas por policiais valem como prova incontestável e, muitas vezes, única, mesmo em situações claramente inverídicas. Delegados, promotores e juízes se baseiam na noção de que funcionários públicos têm “fé pública”, ou seja, tudo o que dizem deve, em princípio, ser considerado verdade.

Juízes se baseiam no artigo 304 do Código de Processo Penal para validar a fala de policiais como prova sem necessidade de comprovação. O inciso 2 do texto define que a “falta de testemunhas da infração não impedirá o auto de prisão em flagrante”. Assim, é comum que um dos policiais militares que atuou na ocorrência seja o condutor (quem leva o caso à Polícia Civil) e seu parceiro entre no Boletim de Ocorrência como testemunha. Os policiais costumam alegar que é difícil encontrar outras testemunhas, além deles próprios, para levar à delegacia.

“Por ser 1h45 da manhã, as únicas testemunhas eram o policial que me abordou e o parceiro dele, e acabei condenado por tráfico. Eles tinham mais de 150 gramas na viatura e colocavam na minha frente dentro do meu carro”, relembra Johnny. “É o que te falo: o juiz não vai contra a palavra dos caras, eles são os olhos dos juiz. Como iam pegar a testemunha que eles mesmo [o Estado] empoderaram para ter autoridade e dizer que o que ela está falando é errado? Mesmo que eu fale que era o contrário, não daria”, completa o músico.

Há situações em que o lugar no qual a pessoa foi pega interfere na decisão do juiz. É uma favela? As chances de esta pessoa ser condenada aumentam: um estudo da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, com base em 3.745 processos de tráfico de 2014 e 2015, apontou que, em 75% dos casos que somaram os crimes de tráfico e associação para o tráfico, a justificativa foi o fato de o local da apreensão ser dominado por facção criminosa.

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É em um bairro rico? Às vezes, a pessoa nem sequer fica presa, sendo enquadrada como usuária. “Um cara de terno numa favela é normal?! Ou ele foi buscar [droga] para consumo ou ele tá envolvido com o tráfico. Dei aula na escola de soldados. Os soldados me questionavam: é atitude suspeita um negro num Audi? Depende do local, das circunstâncias”, justifica um PM entrevistado no estudo “Prisão provisória e lei de drogas”, sobre flagrantes de tráfico de drogas feitos em São Paulo, encabeçado pelo NEV (Núcleo de Estudos da Violência), da USP (Universidade de São Paulo).

Outro trabalho, este feito pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro e pelo Senad (Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas), analisou 2.591 sentenças de tráfico proferidas entre agosto de 2014 e janeiro de 2016 na região metropolitana e na capital fluminense. O resultado assusta tanto quando a pesquisa do NEV: em 71% dos casos, os processos têm apenas os policiais que prenderam a pessoa como testemunhas.

Para a Justiça, policiais sempre falam a verdade

O estudo do NEV, que analisou 667 autos de detenção por porte de entorpecentes na capital paulista, entre novembro de 2010 e janeiro de 2011, apontou que, em 74% das prisões por tráfico, a palavra dos PMs era a única prova apresentada. Segundo o estudo, a maioria das detenções ocorreu na rua (82%), durante patrulhamento (62%) e envolveram a prisão de apenas uma pessoa (69%) com até 100 gramas de droga (62%). Quase metade (48%) dos suspeitos não portava a droga no momento da ação policial e 57% não tinham antecedentes criminais.

O detalhamento do perfil das ocorrências tem suas consequências quando chegam na Justiça: 91% das pessoas presas por tráfico terminam condenadas. Entretanto, o processo de ponta a ponta não é tão simples. Há uma demora média de até 5 meses entre a prisão e a audiência (55% dos casos têm espera mínima de 3 meses), mas é praticamente certo que o suspeito aguarde o julgamento na prisão (88%). Após ser considerado culpado, cumpre pena média de até 1 ano e 8 meses (37% dos casos estudados).

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O conceito de fé pública, a ideia de que os policiais estão sempre falando a verdade, vem do direito administrativo. Vem daí o entendimento de que todo servidor público, policiais ou não, não têm motivos para prejudicar intencionalmente um cidadão com uma mentira. A fala dos agentes do Estado é apontada como menos viciosa, tendo mais credibilidade que a das pessoas comuns.

Para Bruno Shimizu, integrante do Ibccrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais) e da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, a suposta “fé pública” dos policiais que os magistrados usam para condenar jovens negros e pobres por tráfico não tem base legal. “A fé pública é conceito da doutrina do direito e vem do direito administrativo, não tem lei que defina nem a coloque no direito criminal. É uma presunção de veracidade para servidores públicos administrativos, não tem status constitucional”, explica. “Os juízes falam que o PM tem essa fé, porém ela não está acima da presunção de inocência. Sem dúvida, é uma violação da Constituição e o que vale é mais o sentimento punitivista do que a análise racional”, sustenta.

O uso desse conceito é criticado até por um juiz, Luís Carlos Valois, da Vara de Execução Penal de Manaus (AM). “Fé pública… Não sei onde tiraram isso. É um direito administrativo sobre documentos, registros. Usa-se isso para validar e veracidade dos arquivos. Não existe fé pública nisso [fala dos PMs]. Fosse assim, não precisaria de processo, bastava o policial dizer e a pessoa já seria condenada no ato. É preciso um processo para validar a fala porque não se pode ter certeza de que aquilo é verdade”, avalia.

“A palavra do policial é praticamente a única coisa usada como prova, é muito comum. Qualquer autoridade pode simplesmente te parar na rua, olhar o que tem no seu bolso, sua carteira, seu carro ou sua casa e fazer o que quiser. É um absurdo”, explica Valois.

Segundo o juiz, o Judiciário, ao dar credibilidade cega aos PMs, deixa a população à mercê de um poder sem controle. “Corrupção não é só de colocar a droga e forjar e prender a pessoa, não é só isso. Pode acontecer de fazerem isso simplesmente para prejudicar por não gostar da pessoa. Quem vai ter coragem de testemunhar contra um policial? É uma lógica de não se pode punir e pune errado”, sustenta.

Fé pública X presunção de inocência

Ao aceitarem o depoimento de PMs, os julgamentos transformam a versão policial, com sua suposta “fé pública”, em algo mais confiável do que a fala dos suspeitos, que deveria, pela Constituição, ser garantida pela presunção de inocência: a ideia de que todos são inocentes até prova em contrário (que não poderia ser apenas a palavra de outra pessoa, mesmo um policial).

Na ausência de testemunhas, e contando com juízes que aceitam como verdade tudo o que dizem, os policiais se veem livres para forjar provas, simplesmente colocando drogas ou outros objetos junto às pessoas que querem prender. Em abril de 2018, por exemplo, a Corregedoria da Polícia Militar de São Paulo descobriu kits flagrantes nos armários de policiais militares da 3ª e 4ª Companhia do 16º BPM/M (Batalhão de Polícia Militar Metropolitano). Os PMs guardavam itens como armas de brinquedo (também chamado de simulacro), celulares e porções de drogas, usados como prova incriminatória em possíveis flagrantes. Essa ilegalidade é recorrente na corporação, conforme prova expulsão de outros quatro PMs em abril do mesmo ano por também andarem com kits flagrantes e realizarem falsos flagrantes.

“Sobre o testemunho do policial, eu acho que não existe outro jeito. Foram eles que prenderam, foram eles que presenciaram. É uma dificuldade enorme para o policial conseguir uma testemunha civil, dizem que todo mundo foge, ninguém quer depor, o policial não tem estrutura para ir buscar uma testemunha no momento do flagrante. É difícil isso… O ideal seria que tivesse testemunha civil, mas, na prática, é difícil”, sustenta um juiz ouvido pelo NEV — as identidades foram ocultadas para obter um resultado mais próximo da realidade.

Em 48% dos casos, segundo o estudo, a prisão em flagrante aconteceu sem que a pessoa estivesse em posse da droga. O vínculo é apontado pelo policial que fez a ação. “E, sem maiores questionamentos, essa é a história que chega aos Tribunais e em raras ocasiões é colocada em dúvida”, diz o estudo.

Na história de Johnny, ele conta que o advogado que o defendeu considerou melhor ele se declarar culpado ao juiz. “Ele disse que era melhor dizer que a droga e a balança eram minhas, não ir contra os policiais, senão a juíza ia ficar com raiva de mim e me condenar a oito anos de prisão. As penas para quem mente são pesadas, tem que acatar e se adequar com o que se pode fazer”, explica. Sua pena inicial, de 5 anos de prisão, caiu para 1 ano e oito meses ao ser revista em recurso.

Johnny recebeu liberdade, mas com a condição de cumprir uma série de recomendações, entre as quais não sair de noite ou ser visto em locais suspeitos — como bares ou casas noturnas. Na prática, a decisão impediu o músico de trabalhar em shows, base de seu sustento. “A corda sempre arrebenta para o lado mais fraco. Eu ganhava uns 2.000 reais com a música, quando saí tirava 600 reais, 800 reais com meus trabalhos de foto. Não tinha emprego, se já está difícil para quem não tem passagem, imagina para quem tem”, explica.

A situação descrita acima era em junho de 2018, um ano após Johnny sair do cárcere. Agora, passados dez meses, a vida é outra. “Hoje eu estou bem, mano. Virei empresário, tenho meu negócio próprio com CNPJ. Sou chaveiro, um profissional. Não precisei de nada do que me foi passado lá dentro [prisão]. Estou feliz com minha família e também tenho meu projeto de música, o Suburbanos Sound. Temos lançado muitas músicas, tem muitas visualizações… Estou muito bem, queria passar isso”, conta o músico, em conversa por WhatsApp com a Ponte em 5 de abril de 2019. “Nada do que aconteceu me abalou, tanto que minha maneira de mostrar que eles [PMs] estavam errados sobre mim era vindo, trabalhando e vencendo na vida. Dia 12 de junho completa 2 anos que saí. Estou vencendo”, continua.

Base jurídica fundamentada

Diferentemente do restante do Brasil, o Rio de Janeiro tem uma base jurídica mais sólida para a palavra do policial ser usada como única prova em condenações. É a súmula 70 do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. “O fato de restringir-se a prova oral a depoimentos de autoridades policiais e seus agentes não desautoriza a condenação”, diz o texto.

O ex-catador de recicláveis Rafael Braga, 31 anos, também negro, é um exemplo de caso em que se utilizou a súmula 70. Ele carregava dois frascos lacrados de produto de limpeza, no centro do Rio, em 20 de junho de 2013, e PMs o enquadraram. Ele foi acusado de portar material explosivo, embora os laudos apontassem o contrário. Condenado pela Justiça, recebeu pena de 5 anos. Em 2016, Rafael respondia em regime aberto quando foi preso novamente por PMs, acusado por tráfico de drogas e associação ao tráfico: as provas eram a palavra dos policiais e porções de droga. Foi condenado a 11 anos e três meses de prisão. A defesa de Rafael sustenta que o poder da fala policial para condenar, garantido pela súmula 70, legitima práticas abusivas.

“O problema é que tem um sistema que se mostra absolutamente arbitrário, se construiu um modelo em que o poder policial abusa constantemente da força”, sustenta Lucas Sada, um dos advogados que defendem o ex-catador. Ele explica que, apesar de apenas o Rio ter este apontamento na lei, outros estados brasileiros seguem a jurisprudência, mesmo sem base jurídica fundamentada.

Para ele, há uma contradição básica ao se levar a ferro e fogo como verdadeiro o relato de um PM que atuou na prisão de um réu. “O policial que realiza prisão em flagrante está condenado a defender eternamente a legalidade do flagrante, da captura. Se cria, na verdade, um conflito entre o direito do policial de não fazer uma auto incriminação e a presunção de inocência do acusado”, justifica. Seu entendimento é de que os policiais não deveriam virar testemunhas a serem ouvidas no processo pois, segundo ele, seus relatos no B.O. são suficientes. Além disso, explica que é possível que o PM, em caso de confessar uma mentira, crie provas contra si mesmo ao dizer que houve irregularidade em uma ação que protagonizou. Assim, seria alvo de processo administrativo pelo erro cometido.

Sada diz que os juízes aceitam casos absurdos levados por policiais. “Existe um habeas corpus de uma pessoa acusada de tráfico em que a polícia teria arrombado um casarão na Lapa que teria uma boca [local para venda de drogas]. Ele foi preso sob a alegação que tinha no bolso da calça mais de 300 papelotes de crack, mais maconha e haxixe. Eram duas mesas inteiras cheias de droga e tudo foi encontrado no bolso. São mentiras escandalosas desse tipo”, conta.

Sem direito a ser ouvido

“Nada do que falar vai mudar a minha opinião sobre você”. O educador social Marcelo Dias, 39 anos, negro e gay, ouviu essa frase de um delegado da Polícia Civil quando levado à delegacia por policiais militares de São Paulo, em 9 de junho do ano passado, acusado de tráfico de drogas com base em duas provas: a sacola com o entorpecente e o depoimento dos PMs. Marcelo ficou 6 meses e 10 dias preso até o direito à dúvida recair a seu favor, como diz a Constituição.

No caso de Marcelo, os PMs o acusavam de traficar 4,9 kg de pasta base de cocaína encontrados em uma sacola jogada à frente da ONG que o educador preside na periferia sul da cidade de São Paulo, em 9 de junho de 2018. Ele explicou que homens jogaram o objeto, mas os PMs não ouviram seu lado. O delegado, menos ainda. Na audiência de custódia, conta que o juiz apenas leu o B.O. feito pelos policias e definiu sua prisão.

“Os PMs viram os dois rapazes dispensando a sacola próximo da minha ONG, eles viram. E simplesmente ignoraram”, conta. “O delegado nem quis me ouvir, disse: ‘Nada do que falar vai mudar a minha opinião sobre você. Amanhã, prepara que vai para audiência’. Ele me orientou a não dar depoimento, para falar só na audiência porque poderia cair em contradição. Falei que contra a verdade não tem contradição”, continua o educador, liberado pela justiça em dezembro de 2018.

“Na [audiência de] custódia, o juiz não perguntou para mim o que tinha acontecido, só leu o que estava no B.O.. Nem me deu oportunidade de me defender, contar o que aconteceu. Ficou a minha verdade contra a verdade deles e os PMs disseram que viram eu recebendo a sacola”, completa. Teve direito ao contraditório apenas quatro meses depois, em uma audiência de instrução. Nessa, foi ouvido e outro juiz considerou a possibilidade de a versão apresentada pelos PMs não ser totalmente verdade. Marcelo recebeu habeas corpus e responde em liberdade.

A mesma história

Bruno Shimizu explica como é o procedimento rotineiro adotado por PMs para burlar a lei. “A prisão em flagrante, segundo o Código Penal, tem que ter um condutor, quem levou a pessoa presa, e outras testemunhas localizadas no local. Na prática, um dos PMs é o condutor e o outro, seu parceiro, é colocado como a testemunha. E eles depõe justamente com relatos iguais, como se tivessem falado a mesma coisa com mesmas palavras”, explica.

Segundo Shimizu, os mais diversos casos de flagrantes são apresentados em delegacias de forma praticamente igual: casos de abordagens feitas na rua durante patrulhamento, baseada em “fundada suspeita”, a pessoa joga algo e os policiais encontram droga no item dispensado. “A grande maioria de prisão em flagrante por tráfico tem um rito comum, os PMs têm um discurso pronto, usado em quase todos os flagrantes de droga. Quando se conversa com os réus, a versão dos policiais é desmentida”, sustenta Bruno.

“No fundo, os processos que temos tratam de um teatro: já se sabe o que os PMs vão falar, o réu já está preso, se fomenta para mantê-lo preso, o promotor de justiça finge que acredita na versão dos policiais e vêm as condenações. Efetivamente, a lei não diz nada, não faz ressalva sobre as versões dadas por PMs”, finaliza.

O que fazer

Os especialistas sugerem duas ações práticas para corrigir esse problema: alterações na lei ou, de forma mais radical, a descriminalização das drogas. “Você coloca como criminalizado um produto que pode se ter na bolsa e pede para combater aquilo a um agente que faz a ação como uma guerra. O judiciário vira parceiro da polícia e leva a esse distúrbio da lei para condenar as pessoas. Não existe outra forma, a única forma de acabar é descriminalização das drogas”, sustenta o juiz Luis Carlos Valois.

Segundo o juiz, alterar a lei não seria possível, visto que nenhum lugar do mundo determina que a palavra de um policial é ilegal como prova. No entanto, há profissionais da área que entendem que, sim, seria possível uma alteração legal para corrigir essa brecha.

“Há um projeto de lei na Câmara dos Deputados que determina que, no caso do tráfico de drogas, não sejam suficientes para condenação os depoimentos dos mesmo PMs que atuaram na prisão. Também pode ser feito pelos tribunais superiores, como STF e STJ. Com uma súmula vinculante do STF, por exemplo, seria possível afetar até a súmula 70 do Rio. Exemplo: a lei diz que, em caso de confissão, tem que ter outra prova, não só na confissão do suspeito. Há a possibilidade, sim”, defende Bruno Shimizu. No entanto, o PL 7024/17 do deputado federal Wadih Damous (PT-RJ) foi rejeitada na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado em maio de 2018. O projeto previa anular condenações baseadas somente no testemunho dos PMs.

Há uma terceira possibilidade para evitar injustiças, mas que demanda mais iniciativa própria dos juízes do que mudanças nas leis. “O Judiciário brasileiro demanda mudança de mentalidade. O processo nada mais é do que um procedimento em busca de se chegar o mais próximo do fato passado, a chamada verdade. Se o direito se julga uma ciência, ele deve extirpar do processo situações que contaminem a busca por essa realidade passada. Bastaria uma mudança de mentalidade para que fosse praticado no país, evidenciando que existem outras formas de alcançá-la”, argumenta Hugo Leonardo, vice-presidente do IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa), elencando a necessidade de os magistrados buscarem outros meios para confirmar um fato além da fala do policial.

“Como o policial faria caso fosse proibido de testemunhar para bancar uma prisão por tráfico? Oras, basta chamar um civil que está passando, conforme a lei atual. Outra forma é a gravação por câmera da atividade policial. Existem outras formas de se esclarecer um fato e não precisar da palavra do policial, que é cheia de vícios, pois ele tem ligação direta com o fato. É uma relação próxima a de parentes testemunhando a fator de um réu, algo que é proibido por lei”, explica Leonardo.

Armaram uma emboscada para o papa Francisco?

O documento que leva a assinatura do papa demissionário Bento XVI, o alemão ultraconservador Joseph Ratzinger, no qual se culpa a revolução progressista dos jovens franceses de Maio de 68 pelos escândalos de pedofilia perpetrados pela Igreja não é apenas uma zombaria às vítimas. É também uma grosseria anti-histórica com a qual tenta redimir a instituição de seus pecados.

O documento de Ratzinger é grave por várias razões que vão além do seu caráter eclesiástico e obriga a recordar sua biografia e seu itinerário doutrinário. Ainda me lembro dele como um jovem e brilhante teólogo do Episcopado progressista alemão durante os anos do revolucionário Concílio Vaticano II, que foi considerado como a primavera da renovação da Igreja e sobre o qual me coube informar para o diário Pueblo, de Madri, durante a ditadura franquista.

Ratzinger, juntamente com outro jovem teólogo alemão, Hans Kung, foram dois pilares da parte mais aberta do concílio. Terminando este, Kung continuou fiel à abertura da Igreja em seus livros e conferências. Ratzinger, pelo contrário, acabou negando o Concílio. Considerou-o um “erro” da Igreja. Acabou sendo premiado. Fizeram-no bispo e depois cardeal. E já em Roma, foi Prefeito da Congregação da Fé, o antigo tribunal da Santa Inquisição. E foi ali que condenou ao silêncio os teólogos da libertação, como o brasileiro Leonardo Boff. Era ao seu dicastério que chegavam de várias partes do mundo as denúncias sobre os escândalos de pedofilia na Igreja, que ele, sistematicamente, deixava morrer no esquecimento.

Já papa, foi um dos sucessores de Pedro mais conservadores do século. Aposentado, por vontade própria, do papado, permaneceu estes anos, já muito doente, em silêncio, deixando o comando para o moderno Francisco, que em vez de usar sapatos Prada vermelhos como ele, continuou usando os velhos sapatos de camponês com os quais chegou ao Conclave do qual saiu como seu sucessor.

O documento do papa emérito, sobre o qual não há certeza de quem pode tê-lo redigido, dadas as suas condições de saúde, é grave por vários motivos. Não só porque nele se tenta culpar o Maio de 68 francês pelos pecados de pedofilia da Igreja, mas porque também quis que se soubesse que escreveu o documento “de acordo com o papa Francisco”, colocando-o assim em uma encruzilhada. Francisco destacará um documento que ofende as vítimas de pedofilia perpetradas por sacerdotes e bispos? Depois de suas inúmeras manifestações contra esse pecado da Igreja e depois de ter lhes pedido perdão em nome da Igreja, Francisco preferirá agora o silêncio para não se confrontar com Bento XIV? Não hesitaria em dizer que Francisco se encontra no meio de uma emboscada das quais já é mestra a história de tramas e máfias da Cúria, da qual não lhe será fácil sair.

O documento também é anti-histórico e pueril ao culpar o 68 francês pelo dilatar da pedofilia na Igreja, como se os abusos em matéria de sexo, e até as piores aberrações cometidas na Igreja, não tivessem existido até então. Como escreveu com humor um leitor, somente se se tratar de 68 antes de Cristo. Será que ninguém se lembra dos escândalos sexuais dos conventos masculinos e femininos da Idade Média? Será que antes de 68 padres, bispos e até papas eram santos e inocentes? Trata-se da eterna hipocrisia da hierarquia eclesiástica.

O texto papal não só encerra essa análise absurda do progressismo de 68 que teria pervertido até os religiosos arrastando-os a seus excessos sexuais e quase a justificá-los. Chega, além disso, em um momento em que crescem no mundo os movimentos ultradireitistas, com nostalgias de nazismos e fascismos. Não há melhor presente do que esse documento do papa intelectual para as tentativas de demonizar hoje os movimentos libertários em busca de novas formas de viver a sexualidade em paz e liberdade. Não há melhor presente para tentar deter a resistência contra os novos autoritarismos do que denunciar que foi um movimento revolucionário juvenil de esquerda, como o Maio francês, o que chegou a prostituir a própria Igreja Católica. Algo que deveria, de acordo com o papa, ser visto pelos jovens cristãos de hoje como demoníaco, pois foram capazes de se deixar subjugar, em matéria de sexo, por aqueles que proclamavam o inocente “faça amor, não faça guerra”.

Difícil entender que o papa Francisco possa cair nessa dupla armadilha que lhe preparou seu antecessor, Ratzinger, que conseguiu que a Igreja lave as mãos, como Pilatos, de seus escândalos e crimes contra crianças e jovens inocentes que eram deixados sob sua tutela, atribuindo a culpa ao clima de libertinagem sexual que teria criado o Maio de 68. Ao mesmo tempo condena esse movimento libertário e juvenil de esquerda como culpado por ter denegrido os costumes cristãos e até por ter contaminado (pobrezinha!) a própria Igreja de Deus.

Não há melhor presente do que esse documento sibilino do papa neste momento de retorno aos rigores conservadores dos costumes, com nostalgias de teocracias e bebedeiras ideológicas totalitárias que pareciam ter sido derrotadas. Até a Igreja do libertário profeta da Galileia parece querer se juntar a essa dança macabra dos tempos inquisitoriais? Tudo menos reconhecer suas culpas e pedir perdão ao mundo. E tudo menos dar passagem, dentro da Igreja, a uma democracia em que haja espaço para que os cristãos possam respirar sem que ninguém sufoque seus justos desejos de liberdade.

E sem esses tabus de celibatos obrigatórios e obsoletas virgindades. E sem esses machismos impermeáveis para dar passagem às mulheres para que participem da hierarquia. Todo o resto é hipocrisia.

Exportações impulsionam desmatamento no Brasil e Indonésia

Estudo afirma que um terço do CO2 liberado pelo desmatamento está ligado às exportações de commodities, como carne bovina, óleo de palma e soja, e questiona atual método de atribuição de emissões aos países.

Plantação de palmeiras para produção de óleo na Malásia, um dos maiores produtores mundiais

A margarina que o cientista Martin Persson passa em seus sanduíches todas as manhãs não lhe tira o sono à noite – mas deixa uma leve sensação de culpa.

Persson, pesquisador da Universidade Chalmers, na Suécia, é vegano, mas ele sabe que seu inocente café da manhã ajuda a destruir florestas a cerca de dez mil quilômetros de distância.

Há muito se sabe que o óleo de palma presente na margarina e outros alimentos cotidianos, assim como a carne bovina e a soja, impulsionam o desmatamento em países como o Brasil e a Indonésia.

Mas agora, Persson e uma equipe internacional de pesquisadores calcularam quanto a demanda externa por commodities impulsiona essa destruição.

O estudo, publicado na semana passada, descobriu que de 29% a 39% do dióxido de carbono liberado pelo desmatamento é causado pelo comércio internacional, que leva agricultores a derrubar florestas para abrir espaço para plantações, pastagens e cultivos que produzam bens frequentemente consumidos no exterior.

Os autores escreveram que, em muitos países ricos, as emissões “embutidas” nas importações – relacionadas ao desmatamento – são maiores até do que as geradas pela agricultura local.

“Os responsáveis não são somente os consumidores dos países onde ocorre o desmatamento – isso também é causado por consumidores em outros lugares”, diz Ruth Delzeit, chefe de meio ambiente e recursos naturais do instituto de estudos econômicos IfW, de Kiel.

Isso é importante para contabilizar as emissões de CO2 e decidir a quem atribuí-las. “A ONU atribui as emissões aos países onde elas são produzidas”, comenta Jonas Busch, economista-chefe do Earth Innovation Institute, que luta contra o desmatamento e pela segurança alimentar em países como Brasil, Colômbia e Indonésia.

Na Alemanha, por exemplo, isso significa que as emissões de uvas cultivadas localmente são computadas como alemãs – mas não as emissões da margarina feita com o óleo de palma importado da Indonésia.

A destruição das florestas e matas da Terra, que retiram e armazenam o CO2 da atmosfera, é um grande obstáculo na luta para conter as mudanças climáticas. O problema se agrava ainda mais, dizem os especialistas, através de cadeias de fornecimento e produção complexas, que distanciam os consumidores dos danos decorrentes da fabricação dos produtos.

Para estimar as pegadas de carbono do desmatamento por país e mercadoria, a equipe de pesquisa na Suécia combinou dados do fluxo de comércio com imagens de satélite de mudanças no uso da terra entre 2010 e 2014. Eles não consideraram a perda florestal de atividades não agrícolas – como mineração, urbanização ou incêndios florestais naturais –, que causam cerca de 40% do desmatamento.

Na África, eles descobriram que quase todas as emissões relacionadas à destruição das florestas permaneceram dentro do continente. Mas, na Ásia e na América Latina, quantidades consideráveis do CO2 liberado através da queima e corte de árvores foram, na prática, exportadas para a Europa, América do Norte e Oriente Médio.

De quem é a responsabilidade?

As diferentes formas de contagem de emissões, ou no lugar onde o CO2 é emitido ou onde os produtos cuja produção o liberam são consumidos, levanta questões difíceis sobre de quem é a responsabilidade.

“Você poderia dizer que a União Europeia [UE] é apenas uma pequena parte do problema”, afirmou Persson, referindo-se à alta parcela de consumo que não deixou as regiões tropicais, mas que foi consumida domesticamente.

A maior parte das emissões de desmatamento teve origem apenas em quatro commodities: madeira, carne bovina, soja e óleo de palma. Na Indonésia e no Brasil, respectivamente o quarto e o quinto país mais populoso do mundo, o óleo de palma e a carne bovina têm enormes mercados domésticos.

Mesmo assim, a contribuição europeia é significativa, ressalva Persson. “Na UE, queremos reduzir nosso próprio impacto nas mudanças climáticas – e essa é uma parte importante do impacto causado por nós”.

Em clara discordância com a contagem tradicional do dióxido de carbono, os pesquisadores estimaram que cerca de um sexto do CO2 liberado por uma típica dieta europeia pode ser ligada ao desmatamento em regiões tropicais, por meio de produtos importados.

“Foi uma surpresa para mim”, comenta Persson. “Sim, importamos muita comida, mas a maioria dos alimentos que consumimos na UE é produzida internamente.”

O Brasil exportou um recorde de 1,64 milhão de toneladas de carne bovina em 2018, segundo dados da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec), um aumento de 11% comparado com 1,48 milhão de toneladas exportadas em 2017.

A Indonésia é a maior produtora mundial de óleo de palma, que está presente cada vez mais em produtos do cotidiano, como margarina, barras de chocolate, nutella, sabonetes e shampoo.

“O óleo de palma é uma das mais importantes commodities de exportação, então é possível rastrear os efeitos do desmatamento desse comércio, e isso tem um grande impacto na Indonésia”, diz o cientista Ahmad Dermawan, do Centro Internacional de Pesquisa Florestal (Cifor). .

Além de emitir CO2, a queima e a derrubada das florestas também podem causar deslocamento de pessoas, perda de habitat e inundações. No Brasil, terras indígenas estão ameaçadas por lavouras. Na Indonésia e na Malásia, mais de 100 mil orangotangos foram mortos desde 1999, de acordo com um estudo publicado no ano passado.

Consumo crescente

Os especialistas temem que o desmatamento e a destruição associada a ele continuem aumentando à medida que países emergentes se tornem mais ricos. A Índia já é o maior importador de produtos oleaginosos indonésios. A alta do ano passado nas exportações brasileiras de carne bovina, por sua vez, foi impulsionada por um aumento de 53% na demanda chinesa entre 2017 e 2018, segundo dados da Abiec.

“Podemos ver que as exportações para a Índia e a China aumentarão maciçamente no futuro [à medida que crescerem] sua renda per capita”, informa Delzeit. “Eles se aproximam das dietas ocidentais, o que inclui o aumento do consumo de carne.”

Isso tem efeitos para as nações mais ricas, que podem argumentar que sua contribuição para o desmatamento é proporcionalmente pequena.

“A UE e os EUA estabeleceram um padrão global que está sendo absorvido cada vez mais na China, na Índia e em outros mercados emergentes”, diz David Kaimowitz, diretor de recursos naturais e mudanças climáticas da Fundação Ford. “Se eles veem empresas ou países que importam muito desmatamento em seus produtos sendo criticados publicamente ou responsabilizados, isso não é passado para as suas próprias políticas.”

Os mercados de óleo de palma, soja e carne bovina são dominados por um pequeno grupo de multinacionais, algumas delas com sede na Europa e na América do Norte. “Se a UE puder pressioná-las a mudar suas práticas de produção, isso pode ter efeitos em outros países”, afirma Persson.

Mas uma recente decisão da UE de classificar o óleo de palma em biocombustíveis como insustentável, em parte devido a preocupações da opinião pública sobre o desmatamento, provocou temores de uma guerra comercial entre o bloco europeu e os dois maiores exportadores de óleo de palma do mundo, a Indonésia e a Malásia.

Esses países acusaram a UE de protecionismo por reprovarem o óleo de palma sem abordar as preocupações associadas ao cultivo de óleos vegetais menos eficientes, como a colza.

O ministro da Coordenação da Economia da Indonésia, Darmin Nasution, disse neste mês em Bruxelas ser irônico que a UE, que derrubou uma parcela muito maior de suas florestas, estivesse dando conselhos de gestão florestal a países ricos em árvores. Ele também apontou a contribuição do óleo de palma para o alívio da pobreza.

“O foco da perspectiva europeia é o desmatamento, a mudança do uso da terra e assim por diante”, observa Dermawan. “Mas, da perspectiva da Indonésia, trata-se de pequenos agricultores, desenvolvimento e meios de subsistência. Isso também deve ser discutido e contextualizado.”

Estudo detecta superbactérias em carne de frango industrializada

Análise aponta que mais da metade da carne de frango vendida em supermercados alemães de baixo custo está contaminada com microrganismos resistentes a antibióticos, indicando seu uso excessivo em granjas industriais.

Mais da metade da carne de frango comercializada em supermercados de baixo custo na Alemanha está contaminada com bactérias resistentes a antibióticos, de acordo com um estudo realizado com amostras de carne.

A organização ambientalista Germanwatch conduziu a pesquisa e apontou “uma taxa alarmante de resistência” de bactérias, o que indica o uso excessivo de antibióticos na produção avícola industrial e um considerável risco à saúde humana.

A Germanwatch analisou num laboratório universitário 59 amostras de carne de frango das cadeias de supermercados de baixo custo e descobriu que 56% delas continham microrganismos resistentes a antibióticos. As amostras de carne vieram dos quatro maiores matadouros da Alemanha.

Em resposta ao estudo, o Ministério da Agricultura disse que os resultados “sugerem que antibióticos são usados em demasia na indústria avícola”.

As drogas que combatem as bactérias se tornaram menos eficazes devido ao uso excessivo em humanos e animais, com as bactérias se adaptando e evoluindo. Quanto mais antibióticos são usados, mais as bactérias são capazes de aumentar sua resistência.

O mais alarmante: o estudo revelou que um terço das amostras de carne de frango dos supermercados de baixo custo Lidl, Netto, Real, Aldi e Penny estava contaminado com bactérias resistentes aos chamados antibióticos de reserva.

Antibióticos de reserva são medicamentos de quarta e quinta geração usados como último recurso para combater superbactérias resistentes aos antibióticos tradicionais.

Especialistas afirmaram que as bactérias morrem quando o frango é cozido adequadamente, mas humanos podem adoecer ou até mesmo morrer por contaminação cruzada com alimentos não cozidos manuseados na cozinha – numa tábua, por exemplo. Funcionários de granjas industriais também podem ser expostos a germes por inalação.

Também foram realizadas análises de 12 amostras de carne de frango de pequenos avicultores, e em apenas um foram encontrados germes resistentes aos antibióticos. Em outra análise, com seis amostras de carne de fazendas orgânicas, não foram encontrados patógenos resistentes.

A Germanwatch atribuiu os resultados distintos ao uso excessivo de antibióticos em granjas industriais. Segundo a organização, a situação só melhorará se o governo proibir os veterinários de prescrever antibióticos para “compensar as consequências de condições catastróficas de habitação e criação acelerada na produção de carne barata”.

Embora os avicultores alemães tenham reduzido pela metade o uso de antibióticos desde 2011, a quantidade ainda é duas vezes maior do que a usada na Dinamarca, no Reino Unido ou na Áustria, de acordo com a Germanwatch.

A organização ambiental exigiu que o uso de antibióticos nas granjas  fosse drasticamente reduzido e que a carne de frango fosse rotulada como proveniente de criação industrial para melhor informar os consumidores.

Fonte: DW

 

Fiocruz desenvolve teste para diagnosticar zika em 20 minutos

Método desenvolvido em Pernambuco é 40 vezes mais barato que o convencional. Previsão é de que kit chegue a postos de saúde até o fim do ano, beneficiando principalmente cidades afastadas dos grandes centros.

Brasil teve 8.680 diagnósticos de zika em 2018. Mosquito Aedes aegypti é um dos transmissores do vírus

Exames para identificar infecção pelo vírus zika devem em breve poder ser feitos em apenas 20 minutos. Pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em Pernambuco desenvolveram um método simples e 40 vezes mais barato que o tradicional.

A expectativa é que ele chegue a postos de saúde até o fim do ano, beneficiando principalmente os municípios afastados dos grandes centros, onde o resultado do teste pode demorar cerca de duas semanas.

“Tendo em vista que a técnica atual (PCR) é extremamente cara e o Brasil tem poucos laboratórios de referência que podem realizar o diagnóstico de zika – até um tempo atrás eram apenas cinco, inclusive a Fiocruz de Pernambuco -, uma cidade pequena, no interior do estado, acaba prejudicada. A amostra precisa sair do interior, ir para a capital para ser processada, enfim, se pensarmos nesses municípios, o resultado pode demorar 15 dias”, destaca o pesquisador Jefferson Ribeiro, um dos criadores da técnica.

Outra vantagem do novo teste é que ele pode ser feito por qualquer pessoa nos posto de saúde, pois não exige treinamento complexo. Com um kit rápido, basta coletar amostras de saliva ou urina, misturar com reagentes em um pequeno tubo plástico e, em seguida, aquecer em banho-maria. Vinte minutos depois, se a cor da mistura ficar amarela, está confirmado o diagnóstico de zika, se for laranja, o resultado é negativo.

Hoje, o teste PCR, com reagentes importados, é feito com material genético retirado das amostras, o que demora mais. Além disso, o teste atual custa em torno de 40 reais, valor que deve baixar para 1 real com a nova técnica.

O teste elaborado pela Fiocruz Pernambuco é também mais preciso, apontando a doença mesmo em casos que não foram detectados pela PCR. A expectativa dos pesquisadores é que o kit seja desenvolvimento pela indústria nacional. O novo modelo foi desenvolvido no mestrado em Biociências e Biotecnologia em Saúde da Fiocruz.

A fase inicial do estudo, realizada com mosquitos, e não secreções humanas, foi desenvolvida pelo mestrando Severino Jefferson, com a orientação do pesquisador Lindomar Pena e a participação de outros pesquisadores da Fiocruz PE. Os resultados dessa etapa forampublicados ena revista Nature – Scientific Reports.

O número de casos de zika vem diminuindo nos últimos anos. No entanto, o Brasil ainda teve 8.680 diagnósticos em 2018 (em 2017 foram 17.593), com maior incidência nas regiões Norte e Centro-Oeste. O vírus é transmitido principalmente por picadas de mosquito, mas também durante a relação sexual desprotegida e de mãe para filho, na gestação. Provoca complicações neurológicas como a microcefalia e a Síndrome de Guillain Barré.

Fonte: DW

 

Incêndio atinge Catedral de Notre Dame

Um incêndio de grandes proporções atingiu a Catedral de Notre Dame, no centro de Paris, na França. De acordo com fontes dos bombeiros, o fogo pode estar relacionado a obras de restauração que estavam sendo feitas no edifício, que data de 1345. A Polícia de Paris, no entanto, diz que é cedo para identificar as causas do incêndio e assegura que, até o momento, não há registro de vítimas das chamas.

A torre principal e o teto foram as primeiras estruturas a cair durante o incêndio. O fogo se alastrou e chegou a pegar parte do telhado da Catedral, que também caiu. Os bombeiros e autoridades tentaram resgatar as artes e esculturas dentro da igreja, mas ainda não há informações do que foi resgatado.

Maquiagem sem defeitos: veja passo a passo completo da preparação de pele

Uma maquiagem impecável não significa que ela tenha que ter muitos produtos ou que a base precisa ter cobertura alta para cobrir todas as imperfeições do rosto. Isso é um mito que vem sendo desmitificado por uma corrente de maquiadores que sabem como preparar uma boa pele e te deixar linda durante todo o dia. Saber os primeiros passos da maquiagem é fundamental para um resultado mais bonito. Vem conferir!

Uma maquiagem perfeita nem sempre é sinônimo de muitos produtos ou de produções mais elaboradas. Muitas pessoas gostam de maquiagem, usam bons produtos, mas não entendem o verdadeiro motivo de a maquiagem não durar o dia inteiro. Para isso, o Purepeople conversou com alguns maquiadores que explicaram um passo a passo completo de uma maquiagem com efeito bonito, sem excessos e muito eficiente. É claro que os fixadores de maquiagem ajudam muito na duração , mas como conseguir um efeito bonito de pele viçosa e natural? Preparadas? Às dicas!

1 – LIMPAR, TONIFICAR E HIDRATAR É O PRIMEIRO GRANDE PASSO PARA INCIAR A MAQUIAGEM

Walter Lobato, maquiador queridinho de Agatha Moreira , Vitória Strada e outras celebridades, afirma que a limpeza de pele é um dos principais passos para dar início à maquiagem. “Usar um sabonete ideal para o seu tipo de pele para retirar as impurezas, em seguida passar um tônico embebido no algodão para tonificar e controlar o ph da pele e depois hidratar o rosto com um hidratante adequado para o seu tipo de pele é fundamental para conseguir um efeito bonito e para os produtos não craquelarem”, comenta.

2 – PRIMER PARA MINIMIZAR OS POROS E CONTROLAR A OLEOSIDADE

O expert das globais também aposta em primers hidratantes, que dão esse efeito de poros minimizados e um toque mais aveludado à pele. Há a possibilidade também de aplicar primers em determinadas regiões da pele, não necessariamente o mesmo produto. Há primers faciais multifuncionais e outros que são específicos para a real necessidade de cada região, como matificar ou reduzir as imperfeições com um efeito blur.

3 – POUCO PRODUTO AO APLICAR A BASE

É muito importante a pessoa entender que não é necessário aplicar tanto produto no rosto para ter uma cobertura eficiente e uniforme na pele. Em muitos casos, o excesso de produtos na pele pode até craquelar a maquiagem e o efeito não é nada legal. Além disso, ao depositar pouco produto no centro do rosto e espalhar sempre de dentro para a fora, garante uma construção da cobertura e deixa o efeito mais natural. Atenção, para os pincéis. O formato de língua de gato dá uma cobertura maior, já os que são duo-fiber, com cerdas sintéticas, tem a função de depositar e polir a pele, sempre com movimentos circulares, explica Lobato.

4 – CORRETIVO É UM GRANDE ALIADO, MAS REGIÃO DOS OLHOS PRECISA ESTAR HIDRATARA

O corretivo serve para cobrir manchas de olheiras ou pequenas imperfeições no rosto. No mercado há uma gama variada de acabamentos e efeitos que iluminam e corrigem a pele. Dá até para fazer uma pele toda só com o corretivo, para uma cobertura mais leve e natural. Não é necessário usar a base todos os dias. O grande truque para um acabamento mais natural é usar o dedo anelar, que é mais delicado, dando leve batidinhas. É extremamente importante que a região dos olhos esteja hidratada, para o produto não marcar as linhas no momento da aplicação.

5 – USAR O PÓ PARA FIXAR A MAQUIAGEM E PARA DAR VIÇO

Luciana Pessinato, maquiadora da Laura Mercier, explica que o pó é o passo mais importante para fazer com que uma maquiagem dure o dia inteiro. Ele serve tanto para selar o corretivo e fazer com que o produto não saia do lugar, ou marque linhas finas, como para reduzir a oleosidade da pele. “É o pó que vai garantir uma maquiagem de longa duração, sem que a pessoa se preocupe se a maquiagem ainda está no local onde foi depositada”. E há inúmeros acabamentos de pós: os que são matificantes, os que dão viço chamados de finalizadores da maquiagem, e os fixadores, os famosos setting powders. Com os fixadores, a aplicação ideal é com uma esponjinha, pressionando o produto de forma delicada na região. Já os finalizadores, um pincel próprio para pó é o suficiente para tirar a oleosidade da pele, principalmente na zona T (testa, nariz e queixo). O maquiador Walter Lobato comenta que para uma maquiagem com efeito natural, não é necessário aplicar o pó em todo o rosto.

6 – DEPOIS DA PELE PRONTA, A ARTE DE BRINCAR COM AS CORES

Após uma preparação de pele power, como foi explicada pelos maquiadores, chegou a hora de brincar com as cores. É hora de se jogar em um color blocking na maquiagem, com cores vibrantes nos olhos, ou sombras metalizadas que estão com tudo nessa temporada e no Verão 2019, como vimos na beleza do desfile do Minas Trend. Além disso, tons de vinho, marrom e até o dourado na boca são ótimo para causar um impacto sem muita produção. Os pigmentos metalizados também podem ser usados nos lábios, dando um efeito mais moderninho ao look. O que não falta é ideia para uma maquiagem incrível, mas os primeiros passos são fundamentais para uma maquiagem com efeito bonito, natural e duradouro.

(Por Bianca Lobianco)

Vamos falar (bem) da ansiedade?

Uma nova perspectiva pretende desmontar o estigma que envolve os transtornos mentais

Capa da revista ‘Anxy’ sobre a raivaGETTY IMAGES/VETTA

Antes se dizia que alguém estava “atacado dos nervos”. Era o comentário sobre o colega de trabalho de licença ou a amiga que ficava dias inteiros na cama, uma forma de resumir o que não se queria ou não se sabia nomear.

Já não se diz “problemas nervosos”, soa antiquado e simplista. Sabemos que cerca de 260 milhões de pessoas são diagnosticadas com ansiedade no mundo, segundo os dados da OMS, e 300 milhões com depressão, a principal causa mundial de incapacitação. O número de doentes por depressão aumentou 18% entre 2005 e 2015, segundo a mesma organização. Para além do debate acalorado sobre se as condições de vida atuais provocam mais depressão ou simplesmente é que a detectamos melhor do que no passado, a verdade é que o léxico relacionado a transtornos mentais invadiu nossas vidas. Com mais ou menos noção nos referimos a crises de ansiedade, mas também usamos com rapidez frases como “depressão pós-férias” (para dizer que estamos tristes de voltar à rotina depois do verão). Isso não significa de forma alguma que as doenças mentais estejam normalizadas. A saúde mental continua sendo objeto de preconceitos, tão fortes que há quem, como o psicólogo especializado Stephen Hinshaw, os compare com os que em outras épocas sofriam os doentes de lepra.

“O estigma social, familiar ou profissional é mais forte do que qualquer sintoma de nosso transtorno”, afirma taxativamente Daniel Ferrer Teruel, da associação ActivaMent. O tabu, afirma, é transversal, afeta todas as camadas sociais e passa de geração em geração. Por isso os ativistas dessa causa ainda lutam contra a discriminação profissional e social, e contra medidas como as correias em hospitais ou a medicação forçada, que consideram violações dos direitos humanos.

A cultura reforça os clichês herdados. Uma análise de 20.000 diálogos de programas de televisão de 2010 concluiu que retratavam pessoas com doenças mentais como “temíveis, causadoras de vergonha e sofredoras”, e 70% das vezes como violentas, um dos estigmas mais persistentes e danosos. Os especialistas repetem à exaustão que só em torno de 3% da população, independentemente de seu estado mental, apresenta condutas agressivas. Mas o dado fica eclipsado por notícias que destacam os quadros clínicos de assassinos e agressores. Preferimos uma explicação ruim — uma que nos diferencie e nos afaste dos loucos, que nos diga que estamos a salvo — do que nenhuma.

Em meio a esse panorama surge uma luz: o estigma geral sobre saúde mental parece começar a enfraquecer. Alejandro Guillén, diretor de comunicação da Confederação Saúde Mental Espanha (que agrupa 300 organizações e 47.000 associados) acredita que a percepção coletiva está melhorando, que nos últimos anos estão se abrindo discussões que há pouco pareciam impossíveis. Ele e outros especialistas reconhecem, isso sim, que se avançou muito mais na aceitação social da depressão e da ansiedade do que no resto dos problemas mentais. Pode ser que seja porque são dois dos transtornos mais comuns e percebidos como mais fáceis de superar. “Mas é uma mudança importantíssima. O processo de recuperação pode começar, exatamente, ao contar o que acontece com as pessoas, porque o silêncio agrava os problemas”, afirma Guillén.

Não faltam aqueles que hoje encontraram fórmulas para falar mais e melhor sobre saúde mental. Quando se olha a revista Anxy, com suas capas de cores vivas e títulos como ‘Raiva’ ou ‘Masculinidade’, espera-se reportagens de design ou música. No entanto, o que se vê é uma publicação criada para falar sobre ansiedade, depressão e traumas, sobre “nossos mundos interiores, os que com frequência evitamos compartilhar, as lutas internas, os medos que nos fazem acreditar que o resto do mundo é normal e nós, não”. Indhira Rojas (República Dominicana, 1983) lançou esta revista bimestral em 2016 no Silicon Valley, arrecadando fundos (cerca de 60.000 dólares) pela internet, motivada por sua própria terapia com desenhos e colagens. Descobriu que a maioria do que se publicava sobre saúde mental tinha um ângulo puramente médico, com uma estética e um design pouco atraentes. Rojas decidiu introduzir uma visão mais artística e abrir um diálogo porque, afirma, a maneira formal em que algo é apresentado tem a capacidade de nos motivar e um potencial expressivo do qual as palavras carecem. Uma embalagem feia torna o assunto, complicado em si, totalmente “não palatável”. A rejeição é multiplicada.

Uma visão parecida inspira Jara Pérez, que faz um tipo de terapia que ela denomina “acompanhamento psicológico por videoconferência”. Sua página na web e nas redes sociais, cheias de piadas, fotogramas e filmes e imagens conceituais, poderiam ser as de uma millenial qualquer. Mas Pérez aposta nessa estética por um motivo claro: quer se aproximar de um público jovem que aprecia a linguagem visual compartilhada (os memes) e a ironia como ferramenta para compartilhar experiências dolorosas.

Diante das gerações anteriores, os jovens de hoje têm mais referências e informação sobre saúde mental e, em boa medida, a desmistificam. Estão expostos a debates sobre o assédio na escola e a automutilação e veem famosos — Justin Bieber, Lady Gaga, Demi Lovato; na Espanha, Iniesta ou o youtuber El Rubius — falar de vícios, ansiedade e depressão. Mas o silêncio ainda pesa sobre a bipolaridade, e ainda mais sobre transtornos como a esquizofrenia. Guillén, da Confederação Saúde Mental, destaca o imenso impacto que os rostos populares têm em campanhas de conscientização, mas reconhece que é difícil que se exponham. “O que muitos famosos fazem quando contam, por exemplo, que sofrem de ansiedade é ligar seus problemas à pressão que suportam no trabalho.”

Nas redes esse tipo de confissão prolifera entre personagens conhecidos ou nem tanto. O que é mais autêntico do que uma dose de vulnerabilidade em meio a um monte de gente que parece ter vidas melhores do que a sua? As marcas também se dão conta. “Estamos percebendo que a saúde é muito mais ampla do que pensávamos antes”, afirma Nieves Noha, analista de tendências da consultoria Exito. Ela detecta cinco etapas de conscientização nos últimos anos: primeiro, nos concentramos na saúde corporal; depois, começamos a prestar atenção à saúde mental e emocional, e agora começamos a olhar para a relacional (relações tóxicas etc.) e inclusive a ambiental (qual é o efeito da arquitetura ou do design). Por isso há quem aproveite a vulnerabilidade como ferramenta de marketing. Um exemplo recente: Kendall Jenner, modelo e membro do clã Kardashian, criou grande expectativa ao anunciar que lançaria uma mensagem “corajosa” e “autêntica”, algo que soava a confissão íntima (falaria de suas inseguranças? Kendall tem os mesmos problemas do restante da humanidade?). No fim, anunciou um creme anti-acne.

As redes são armas de dois gumes com efeitos pouco saudáveis, mas não se deve esquecer que também permitem encontrar conexões, fazer com que nos sintamos menos sozinhos no mundo. De fato, parte do humor dos millenials e da geração Z gira em torno da depressão e da ansiedade. Uma espécie de novo movimento dadaísta de memes salpicados de autoconsciência, consequências da recessão econômica e da perda de referenciais. E da sensação de que é melhor rir desse vazio existencial do que permanecer calados.

 

Fonte: El País



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